Platônico (Part III cap I - Dezoito)

A montanha não era muito alta, era grande o suficiente para conseguirmos subir apenas com algum meio de locomoção ou, muita disposição. Eu mesma havia feito uma trilha com minha lambreta e tinha tudo fotografado no meu computador. A casa era um chalé simples, antigo. A madeira era velha, tinha um clima rústico... Para entrar na casa tivemos que passar por uma escadinha caindo aos pedaços, entramos numa sala bem decorada com poeira e teias de aranha, eu me sentia bem nesse clima ‘sujo’. Eram dois andares, mas no andar de cima era apenas um pequeno sótão onde havia algumas caixas com uns álbuns antigos... eu sempre me perguntei por que aquela casa estava abandonada.. para mim sempre foi um enigma. Pietro estava encantado com a casa, até eu me espantava as vezes de alguma forma ela era linda, trazia uma história por trás de cada canto.
“- Você não faz idéia do que tem pra cá ” Falei indo em direção a porta dos fundos
“- Me espere Luana, nossa, você já viu isso?” Falou olhando para a cozinha antiga e os pratos postos na mesa, como se fosse haver um jantar naquele instante.
“- Eu sei. Essa casa é um enigma para mim. Ela é tão calma e tão arrepiante, ao mesmo tempo em que eu gosto de estar aqui, me dá vontade de correr até a árvore da frente e... bem, o que me dá vontade não é novidade para você.
- Luana, eu já lhe falei que a morte não é a solução para nada.
- Eu sei, eu sei... Olha Pietro, vem cá ver. ”
Abri a porta pesada e antiga, e então pudemos ver o quintal da casa, aquele era o lugar em que me dava uma paz interior que eu jamais havia sentido. Era um lugar simples, com um tanque e um varal, havia meias, vestidos, tudo estendido ali, esperando a dona da casa ir buscar e levá-los para dentro. Eu me sentei para contemplar a vista, podíamos ver a cidade inteira. Nós éramos os donos da cidade.
“- Escute Pietro, eu tenho tentado lhe falar isso há anos e eu acho que essa é a melhor hora, eu..” Fui interrompida abruptamente, quando ele começa a falar
“- Luana, você é a melhor. Essa casa é perfeita, esse lugar é perfeito. Agora eu sei de onde você tira tanta inspiração. Eu lhe prometo que não trarei ninguém aqui, esse lugar vai ser somente nosso, daqui até a eternidade. Imagina só, nós dois, velhos e solteiros aqui, eu lhe contando de todos os meus casos adolescentes e você me chamando de idiota no meio das suas risadas escandalosas. Olha aqui pra mim, olha no fundo do meu olho: Você é minha melhor amiga e nada disso vai mudar.”
Aquilo foi um tapa na minha cara, nos meus pensamentos, na minha vida. Tava na cara que ele não ia querer nada além de amizade, tava na cara que ele não gostava de mim como eu gosto dele. Velhos e solteiros? Que tipo de velha ele acha que eu vou ser? Aliás, quem disse que eu vou ficar velha? Vou morrer jovem. Eu quero morrer jovem. Eu não agüento mais esconder esse amor, eu já estou no terceiro ano e não fiz nenhum progresso durante o processo escolar inteiro. Eu preciso contar pra ele, mas como? Ele nunca me dá ouvidos.
“- Pietro, eu fiz esse álbum pra você de aniversario, são todas nossas fotos, nossas memórias desde pequenos.”
Ele me olhou fixamente e eu senti meu mundo desabar, então começou a olhar as fotos e sorrir, quando ele acabou de ver todas, de ver o quanto nós temos de história juntos, ficou um silencio profundo no ar, ele parou e ficou olhando pro horizonte, será que ele finalmente estava sentindo o mesmo que eu?

Platônico (Part II cap I - Dezoito)

O dia estava ótimo para passear, não estava frio, nem calor. Aproveitei para botar um vestido que havia comprado há muito tempo. Confesso que não estava com meu mais bom humor, porém eu poderia fazer esse esforço por Pietro. Peguei minha bolsa e botei tudo que eu iria precisar: Celular, carteira, maquiagens e afins. Nada poderia dar errado hoje. Como eu sempre gostei de tirar várias fotos, botei minha câmera à mão. Entretanto eu estava sentindo que eu não estava fazendo o certo.. levar Pietro ao local onde é somente meu? É estranho pensar nisso, aquela casa estava desabitada há tanto tempo e eu estava reconstruindo aos poucos.. Mas era o mínimo que eu poderia fazer. Como era ele quem estava dirigindo, deixei minha velha lambreta descansar por hoje. A campainha tocou, era ele.
- Mãe, to saindo.
- Ok filha, venha antes do jantar.
“Ok filha venha antes do jantar?” Onde ela estava com a cabeça que nem sequer perguntou aonde eu ia? Bom, não há tempo para eu ficar pensando na minha mãe, ele está lá embaixo. Saí correndo, peguei o elevador e quando a porta abre quem estava lá? Não, infelizmente não era Pietro. Era Flávio. Fiquei fazendo cálculos de cabeça se deveria falar com meu ex-namorado e até mais, saber o que ele estava fazendo no meu prédio. Só que resolvi permanecer calada, porque o conhecendo como eu conheço, ele iria fazer isso, sem nem precisar falar comigo. Dito e feito, ele pegou seu celular e começou a fingir que estava falando nele.
- “Oi Martha, eu também gostei da tarde de hoje.. espero que ela se repita. Eu sei que faz tempo que não fico com ninguém, desde que terminei com Luana, mas ela já deve estar com outro. Eu sei, ela não me merece. Ei meu amor, eu vou ter que ir, estou no elevador e você deve imaginar que tem algo me incomodando. Ok, beijos”
Martha? Ele acabou de terminar comigo e está saindo com minha vizinha? Não pude acreditar, eu não gosto mais dele, mas logo Martha? Ela é uma qualquer, uma desquitada. Fiquei possessa de raiva, confesso. Mas me mantive com a expressão serena e com foco no meu dia com Pietro. Assim que a porta do elevador saiu, Flavio ficou olhando com uma expressão de: Você não vai nem me olhar? Sai e fui ao encontro de Pietro, ele estava parado na frente do carro, encostado. Não entendo muito de carros, mas ele era prata. Combinava com o sol que estava batendo naqueles olhos verdes.

“- Oi, Pietro.
-Olá Dona Luana. Posso saber o que foi mais importante que minha festa ontem?”
Aquele sorriso, aquele jeito de falar.. Estava tudo tão perfeito, eu estava me sentindo vermelha, só de pensar em tantas coisas que ele poderia estar pensando de mim. Mas sou durona, todos sabem. Falei sem nem pensar.
“- Vamos primeiro entrar no carro, lá eu te explico o que aconteceu.”
Ele abriu a porta para mim, ele era um príncipe do século XXI. Senti-me uma princesa. Era estranho como eu posso mudar, por fora sempre fui durona e chata e aqui, bem dentro de mim, sou a pessoa mais sentimental da terra. É estranho, eu apenas não sei botar o que eu sinto pra fora. Acho que é pelo o que eu vivi durante toda minha infância. Meu pai morreu muito cedo, eu tinha apenas sete anos... eu tinha que ser forte para agüentar ver minha mãe chorar com a perda, tinha que ser forte por mim e por ela. Na minha adolescência eu tinha apenas Pietro para conversar, eu era apenas uma garota vulnerável e ele me ensinou a ser o que eu sou hoje. Até eu conhecer Flávio, esse menino foi a parte escura da minha vida, foi quando eu larguei os meus amigos, larguei minha mãe, deixei o mundo de lado para viver apenas do Flávio. E hoje em dia, não quero nem ouvir falar dele.
“- Flávio estava no elevador comigo.” Falei olhando fixamente para frente.
“- Eu vi. Você falou com ele?” Pietro perguntou de uma forma tão sutil enquanto ligava o carro, que parecia algo natural
“- Não, mas você sabe que ele é um idiota... fingiu estar no telefone só para me contar de uma forma indireta que está saindo com Martha, sabe aquela minha vizinha?
- Ah Luana, não fique chateada por qualquer bobeira. Para onde vamos?
- Vamos até a montanha abandonada.
- Oh, ninguém tem coragem de ir até aquele lugar
- Eu tenho. ”
Ele entendeu que ia acontecer alguma coisa. Eu estava submersa nos meus pensamentos, estava tão pensativa que não falei nada durante o caminho inteiro, eu apenas fechei meus olhos e esperei chegarmos até lá... eu não queria saber da festa, eu não queria saber quantas ele havia beijado na noite passada. Preferia pensar que eu era a única. Pietro sempre magoou os corações das meninas dessa cidade, não havia uma pessoa que não soubesse quem era ele. Eu me sentia bem em saber que eu era uma das poucas meninas que ele confiava isso fazia eu me sentir tão... Especial.


Platônico (Part I cap I - Dezoito)

O tempo estava nublado. Meu celular estava tocando desesperadamente há alguns minutos e eu tentava tomar coragem para olhar quem me ligava tão cedo. Era ele. Dentre todas as pessoas na face da terra ele escolheu ligar logo para mim no primeiro dia de férias. Não pude acreditar, pulei na cama. Fixei os olhos no celular por um tempo, queria certificar-me de que aquilo era mesmo verdade. Porém não o atendi, deixei tocar.. E então lhe respondi com uma mensagem mal-humorada, não podia ceder tão fácil assim. “O que foi?” escrevi apenas isto e enviei. Fiquei parada esperando o celular avisar que ele me respondeu e nada.. Ele devia ter achado outra garota que o atendesse tão cedo. Confesso que me senti mal por tê-lo deixado esperando, porém, fiquei feliz por não ter agido como uma criança.
Resolvi me levantar e liguei o computador. Foi aí que tudo fez sentido. Ontem havia sido o aniversário dele e eu não fui. Isso mesmo foi aniversário do Pietro Sousa e eu não fui. Eu sou uma imbecil mesmo. Pensei logo no que fazer, era claro que feliz não era um adjetivo para ele naquele momento, por isso ele me ligou. Fui tomar um banho para poder pensar em algo que pudesse redimir a falta logo no dia da festa de dezoito anos dele. Peguei-me pensando no que poderia ter rolado ontem a noite, no que eu poderia ter dito, quem sabe revelar meu amor platônico por ele desde o jardim de infância teria sido uma boa idéia, afinal, já estava mais do que na hora.. Ficar nesse papo de melhores amigos para sempre não dá. Desajeitada do jeito que sou, era bem capaz de eu falar ‘Ei, eu gosto de ti desde o jardim’ e depois sair correndo. Talvez tenha sido melhor eu não ter ido à essa festa. Saí do banho e fui ligar para ele, tive a idéia de dizer que eu queria comemorar de uma forma privada com ele. O telefone chamou, chamou, até que eu ouvi aquela voz meio rouca que falava:
“- Alo?” Fiquei estática. Não sabia o que fazer.
“-Alo Luana? Já não basta você não ter vindo a minha festa ontem, agora vai me ligar e não dizer nada?”
“-O..oi Pietro” Gaguejava como nunca “Ouça, me desculpe por ontem.. eu tenho uma explicação plausível para isso.”
“É melhor ter mesmo, pois nem um recado você foi capaz de deixar.”
“Eu tenho algo melhor para fazermos hoje. Afinal, estamos de férias. Eu vou te levar para passear hoje, te levar onde nunca levei ninguém.” Estava certa de que esse era o pior erro da minha vida, levar ele no meu canto, onde eu achava a minha paz, mas eu teria que levar ele a algum lugar mesmo e lá era o lugar perfeito.
“É, isso parece interessante. Passo na sua casa com meu novo carro as duas, tá bom para você?”
“É claro, até lá.” Desliguei o telefone e comecei a pensar no que fazer, eu iria levá-lo até a minha linha do horizonte, até onde eu meditava.
Parei de pensar nisso, ia acabar ficando louca, fui arrumar algumas coisas para poder levar. E então de repente, já eram duas horas e ele estava lá, na porta da minha casa me esperando.